*Ana Claudia Ferreira de Oliveira
Como se não bastasse a onda de violência e criminalidade que atinge o país todo e o
mundo, temos ouvido nos últimos tempos, muitas notícias de filhos que matam seus
próprios pais em situações de extrema crueldade. Problemas e dificuldades familiares são
expostos nas páginas criminais dos principais jornais.
Pais e mães com filhos adolescentes ou pré-adolescentes têm recorrido a profissionais
como psicólogos, psiquiatras e educadores, na procura de respostas e conselhos sobre
o que fazer com seus filhos quando esses costumam apresentar problemas como:
comportamentos socialmente inadequados, dificuldades de relacionamento interpessoal,
bem como problemas de adaptação escolar e aprendizagem. As maiores queixas ficam
entre os comportamentos sociais inadequados e dificuldades de convivência familiar. A
situação anda tomando uma tal proporção, que alguns pais começam a trancar a porta de
seus quartos, na hora de dormir, e enquanto outros vão mais longe ainda, blindando as
paredes e portas de seus quartos.
Horrorizados, muitos se perguntam “o que estará acontecendo com nossos jovens?” E,
penso eu, que a questão poderia ser pensada de outra forma: “O que estará acontecendo
com nossos pais e mães que parecem estar esquecidos de sua função de educadores
desses jovens?”
Olhando um pouco para trás, percebemos que a partir da década de 60 e da revolução
sexual, tivemos o início de uma transformação nos costumes e valores válidos em nossa
sociedade. Entre tantos outros conceitos questionados, os modos de educação mais
repressores foram postos em cheque, e começou a se erguer a bandeira da educação
mais liberada para prevenir os “traumas” que uma educação muito repressora poderia
causar na vida emocional dos filhos.
Ainda, com o desenvolvimento das pesquisas na área da psicologia e psicanálise,
enfatizando a importância da influência do ambiente na formação de um indivíduo, a
questão da educação dos filhos tem merecido um maior cuidado por parte de educadores,
psicólogos e estudiosos de várias áreas. Muitas são as teorias novas que surgem sobre o
que fazer, como proceder, tudo na tentativa de orientar os pais nessa difícil tarefa.
Com isso, tivemos uma mudança de panorama.
Se pelas gerações antigas a criança era tratada como um “mini-adulto”, sem direito
a desejos e vontades, sem direito a quaisquer cuidados especiais em respeito à sua
condição de criança, parece-me que as gerações mais jovens, talvez tenham pecado pelo
excesso, no sentido inverso, passando a tratar a criança como um “rei no trono”.
Tudo passaria a ser motivo de trauma para a criança e para o adolescente. Se uma
criança apanhava, era castigada, ou apenas repreendida, já se poderia considerar isso
como motivo de trauma.
É claro que não estou falando aqui a favor de prática de maus-tratos contra a criança ou o
jovem, e isso é uma questão seriíssima que vem sendo tratada com muito mais respeito,
nos últimos tempos, graças também a essa transformação social que se operou, e que
mereceria outro momento de discussão. Mas, nem de longe, podemos pensar que pais
e mães não possam repreender seus filhos. Essa é uma função muito importante
no processo de educação. A educação é feita com base no afeto que se transmite ao
filho, e com base no limite que se pode dar a ele também. A criança precisa conhecer
o amor, a amizade, o respeito e a consideração, mas também, quais são os limites
que ela tem de respeitar, entre a vida dela e a do outro, para que ela possa tornar-se
um ser humano apto para a vida em comunidade.
A atenção e o respeito que devem ser dados à criança não podem provocar uma inversão
na ordem das gerações entre pais e filhos. Esse é o pior desserviço que um pai pode
prestar a um filho.
Os pais precisam colocar limites para seus filhos crescerem. A criança é um
ser com uma quantidade enorme de energia, que precisa, desde cedo, ser bem
canalizada. Ela precisa aprender a gerenciar essa energia adequadamente e, para
tanto, precisa de um enquadramento e um direcionamento que, principalmente, aos
pais cabe dar.
Hoje em dia, também é muito comum ouvirmos que pais e mães precisam ser amigos de
seus filhos. Aqui, igualmente, é preciso ter cuidado com a inversão de ordem.
É muito importante que pais e mães possam ser amigos de seus filhos, mas, antes de
qualquer outra coisa, por amor a seus filhos, os pais têm o dever de educá-los, de colocar
limites, estabelecer proibições. O que se espera de pais amigos de seus filhos, inclusive
o que os próprios filhos precisam são de pais e mães mais próximos, mais disponíveis,
abertos a escutá-los, a discutir e orientá-los naquilo que eles lhes solicitarem, ou naquilo
que os pais entenderem necessário fazê-lo. Mas, precisam igualmente de pais que
saibam dizer não, estabelecer o que é certo e o que é errado, e quais os limites que
precisam ser seriamente respeitados.
Se os pais se comportam somente como amigos de seus filhos, podemos nos
perguntar “quem estará fazendo o papel dos pais em seu lugar?” E esse é um grande
perigo, pois a criança e o jovem precisam de orientação adequada e segura, além de
alguém que apenas os ouça e os aconselhe como um amigo faria. Precisam, sim, de
alguém que funcione como um porto seguro para onde recorrer, quando surgem
os problemas e não sabem o que fazer, mas precisam que esse porto seguro seja
suficientemente firme e forte para orientá-los quando não sabem como proceder,
para repreendê-los quando estiverem errados e para ensiná-los a respeitar a si
mesmos, e aos outros, preparando-os para a vida em comunidade.
Quando se inverte o sentido dessa relação, com os filhos colocados em um trono, ou
tratados como um rei, e com os pais deixando de cumprir sua função de educadores, as
crianças crescem sem orientação, sem limites, sentindo-se sozinhas e desconectadas de
sua própria família, sem uma verdadeira identificação com esses pais, pois lhes faltam um
modelo forte, seguro e afetivo, que elas possam admirar, seguir, amar e respeitar.
Para educar um filho não há fórmula ou manual que se possa seguir, pois cada filho
e cada pai e mãe são únicos em sua natureza. Todos precisam ser respeitados. Nós
escolhemos com quem vamos nos casar, de quem vamos ser amigos, mas
não escolhemos nossos filhos e nossos pais. Apenas temos que conviver com
eles, e essa convivência nem sempre é fácil. Porém, uma coisa é certa, e precisa ser
lembrada: Educar é também frustrar; é dizer não e contrariar a vontade do filho,
quando necessário. Não há como escapar disso, sob pena de o próprio filho sofrer as
consequências em sua saúde física e mental. Não há como ser bom pai ou boa mãe
só esperando serem amados por seus filhos. É preciso, muitas vezes, suportar a
frustração de ser odiado por seu filho num dado momento, para o próprio bem dele
no futuro, ainda que isso, na maioria das vezes, custe muito caro aos corações dos
pais e mães.
anaclaudia_fo@hotmail.com
*Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta Psicanalista e Advogada em São Paulo/Brasil.
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