quinta-feira, 12 de abril de 2012

"Permissividade perigosa"


OPINIÃO » - Estado de Minas, Caderno Opinião - 31 de março de 2012

                                           "Permissividade perigosa"

Os pais que impõem limites aos filhos terão mais chances de formar cidadãos com caráter e dignidade.


Nilce Rezende Fernandes Professora e escritora
Publicação: 31/03/2012 04:00


Grande parte dos adolescentes da classe média se comunica por meio dos sites de relacionamentos. Neles, eles demonstram amizade, desinibição, postam tirinhas engraçadas, tecem comentários, enfim, apresentam-se como jovens normais, quase sempre com alto astral. Entretanto, na postura com os pais trilham um caminho diverso. De afáveis transformam-se em tiranos. Ignoram o diálogo, ditam as normas da casa e fazem exigências absurdas, numa total inversão de valores.
Os pais que não impuseram os limites necessários quando esses jovens eram crianças, levados pelo medo de repetir os mesmos erros de seus progenitores, a quem tanto criticaram, e na ânsia de serem vistos como pais modernos, em vez de tachados de ultrapassados, em pleno século 21, optaram pelo outro lado da moeda, ou seja, uma educação em que imperou a permissividadeA essa altura, mesmo conscientes de que exageraram na dose, pensam que só lhes resta aceitar tal situação, pois sentem-se impotentes e acuados para dar um basta e realizar uma mudança árdua e radical. Assim, certos de que perderam a guerra, preferem seguir o percurso menos penoso e continuar alimentando os caprichos dos filhos.
No Estado de Minas (caderno Bem Viver, 25/3/2012), a psicóloga Ana Maria Nogueira afirma: “Crianças que têm pais fracos são como se não os tivessem”. E define que tipo de pais são esses: “São os permissivos, que não orientam e que deixam de dizer não para o que é realmente importante. Não precisa dizer não o tempo todo, mas o sim sempre torna as crianças inseguras e influenciáveis. A especialista acrescenta que o pior de todos os erros é a falta de afeto”.
No entanto, como observadora do ser humano, percebo que preencher cheques pagando aulas diversas para os filhos, tornando realidade todos os sonhos da tecnologia, ignorando os sites que eles acessam pela internet, permitindo-os ir a qualquer festinha, sem ao menos saber se haverá bebida alcoólica, tem sido, infelizmente, postura mais natural do que a do diálogo e afeto. Isso não é modernidade. Hoje, talvez a tarefa mais difícil a desempenhar seja o de pai ou mãe.
Aprende-se com os erros que podem e devem ser corrigidos o quanto antes, caso contrário aqueles bebezinhos se transformarão em verdadeiros tiranos e as vítimas ou responsáveis serão os pais.
Ao nos referirmos a garotos de rua, colocamos a culpa no governo, que dispõe de uma verba diminuta para a educação. Triste realidade, pois só com um investimento maciço na educação pública é que o Brasil terá chances de se tornar uma superpotência. Os professores precisam ser cada dia mais capacitados e valorizados com salários justos para a importante função que exercem. Somente assim não teremos medo dos pequenos marginais que nos ameaçam e levam nossos pertences. A educação necessita dar passos mais largos.
Já os adolescentes das classes abastadas contam com proteção surreal dos pais. Estudam em colégios dispendiosos, porém expressivo numero deles considera os professores como seus empregados e assim os tratam. Isso mostra que a família foi incapaz também de ensinar-lhes a respeitar as pessoas que trabalham em suas residências.
É lastimável a falta de diálogo entre pais e filhos. Isso tem que ser cultivado desde que o bebê está no ventre da mãe, por meio de gestos, músicas adequadas e palavras de carinho. Afetos e limites são aliados na educação e não inimigos. Por isso, pais que impõem limites à prole desde cedo, que dão exemplo de respeito ao outro, que sabem a hora de dizer o sim e o não, terão mais chances de formar cidadãos com caráter e dignidade. Dessa forma, os adolescentes serão mais tranquilos, solidários e menos consumistas.
Dependendo das condições financeiras, o intercâmbio cultural é um investimento no futuro dos filhos, além do que haverá maior valorização da família por parte deles, enquanto estiverem além-mar.
É bom lembrar de que um dia os pais entrarão para o grande contingente de idosos no Brasil e, possivelmente, serão abandonados pelos filhos criados com permissividade excessiva ou acolhidos por eles com amor e gratidão se tiverem agido com sabedoria em sua educação. A gente colhe o que planta.


"Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia."
SOARES, Bernardo. "Livro do desassossego". p. 292.

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