segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma pastoral para pastores donos de aquários


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013



                                                      Vinicius Seabra

“Vocês comem a coalhada, vestem-se de lã e abatem os melhores animais, mas não
 tomam conta do rebanho. Vocês não fortaleceram a fraca nem curaram a doente nem
 enfaixaram a ferida. Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as 
perdidas. Vocês têm dominado sobre elas com dureza e brutalidade”.
Ezequiel 34:3-4 (NVI)

Ao longo das épocas a igreja evangélica vai criando clichês que em pouco tempo vão se
 tornando parte da doutrina eclesial comungada pelos seus fieis e aplaudida pelos líderes. 
Contudo, muito destes chavões escondem, imperceptivelmente, doutrinas heréticas 
que invariavelmente são maléficas a qualquer manifestação evangelical. Um exemplo clássico 
deste tipo de expressões é a: “pescar em aquário”. Tal jargão se refere ao fato de 
supostamente um membro de uma igreja ser “convidado” para ir conhecer outra denominação.
 Neste paralelo, o aquário refere-se à igreja, pescar alude-se a convidar, o peixe é o simbolismo 
para membros, e, o pastor adquire a qualidade de senhor/dono destes peixinhos.

A fim de desconstruir tamanha heresia que agride os pilares da Teologia Pastoral e que 
corroem as premissas da Eclesiologia Bíblica será necessário postular inicialmente sobre o ser 
pastor. Para tanto será necessário pinçar textos bíblicos, por serem estes a base mais sólida
 acerca do ofício pastoral. Portanto, é válido degustar as sábias palavras de Pedro:
 “pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, 
mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de
 servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos
 para o rebanho” – I Pe. 5:2-3 (NVI). Da perícope em destaque fica notório que, às vezes,
 alguns pastores tem confundido a responsabilidade de cuidar com o termo dominar (i.e. ser
 dono de). Apesar de os termos serem em essência antagônicos em si, às vezes, na escuridão
 dos calabouços religiosos se confundem/misturam e assim tornam a igreja num lugar 
de aprisionamento ao invés de um totem de livramento (cf. Mt. 11:28-30).

Na saga de repensar sobre o encargo pastoral frente ao “pescar em aquário” é importante
 refletir sobre o conceito de mordomia cristã, que se aplica a todos da cristandade, inclusive
 aos pastores. Desta maneira quebram-se os grilhões da opressão, da manipulação e da
 ganância, pois na Igreja Invisível (i.e. numa perspectiva de Reino) todos os cristão são 
despenseiros de Deus (cf. I Co. 4:1-2) e devem zelar pelo próximo (cf. Lc. 10:25-37). Na
 Eclésia dos Evangelhos o ser pastor é um convite ao serviço que implica em humildade, 
rendição e dedicação. Contudo, mesmo com tamanha responsabilidade não é dado aos
 pastores, desde os tempos bíblicos até a contemporaneidade, o direito de serem donos de
 ovelhas (ou peixes). Acima de tudo existe uma verdade inalterável: Deus é o supremo 
Pastor de todos os cristão que, então, são ovelhas do rebanho dEle (cf. Ez. 34; I Pe. 5:4).
 Por esta razão ratifica-se o ministério pastoral sobre o pressuposto da mordomia, ou seja, de 
cuidar, não de dominar.

O outro termo que no clichê inicial carece de atenção especial é o postulado de “aquário”. 
Os que comungam desta idéia partem da proposição que cada igreja local é uma espécie de 
aquário, e aí reside o núcleo do problema doutrinário que culminou na escrita deste artigo.
 A partir do momento que as bandeiras denominacionais ficam mais evidentes que a Igreja 
Invisível, fica então notório que há algo muito errado. Aqui é válido estacar que, sem 
sombra de dúvida, a igreja é imprescindível para o cristianismo, porém dicotomizar a 
irmandade separando-os por instransponíveis paredes denominacionais é agredir o conceito de
 Reino de Deus e de Corpo de Cristo. Em termos de relevância espiritual não existem duas ou
 mais igrejas, nem existe várias facções evangélicas e nem grupos na cristandade. Existe apenas
 uma Igreja (ênfase com o “i” maiúsculo), a verdadeira Igreja, a única Igreja (cf. I Co 8:6). 
Portanto, é anátema a doutrina que prega uma divisão eclesial na forma de aquários, tornando
 os peixes incomunicáveis entre si.

O levantar da bandeira de supremacia denominacional é equivalente a dar os primeiros passos
 rumo a terrenos escorregadiços duma pseudo fé cristã que limita as orações aos seus, que
 estende as mãos apenas para os arrolados como membros, e que socorre somente os 
conhecidos. Por esta razão é imprescindível que, por meio da marreta da defesa da fé, se 
quebre todos os aquários pastorais e libertem os peixes para desfrutarem do Oceano de
 Deus. É necessário ratificar que não é as denominações em si mesmas maléficas a cristandade,
 pois são apenas formas de organizar o povo por afinidades e identidades. O aquário 
denominacional só é maléfico quando estes suprimem a responsabilidade de ser fraternal
 aos diferentes irmãos, e, quando ofusca dos fiéis a realidade de um mundo 
desafortunadamente desesperado pela manifestação de cristãos além dos vitrais. A presente 
crítica se concentra sobre o imperativo da Igreja ser maior do que uma igreja, e assim responda 
aos anseios da sociedade de forma integral e indenominacional.

Neste universo de peixes em aquários um triste cenário se despontava. Ali, enquanto 
muitos pastores perdiam tempo construindo aquários, enfeitando-os para que seus 
peixes não desejassem outras águas; Enquanto muitos se valiam, erroneamente, do livro 
“floresça onde está plantado” – autor: Robert H. Schuller (Betânia, 1984) – apregoando que 
Deus não quer que “você” troque de igreja; Enquanto muitos se irritavam por “perder” membros
 para outras denominações, entendendo que os peixes eram seus que estes não teriam sucesso
 em nenhum outro lugar; e, enquanto muitos bradavam deter uma espécie de autoridade 
espiritual para abençoar os que estão dentro do aquário e de amaldiçoar os que ousavam pular 
fora. Neste ínterim, paralelamente a este cardume do gueto gospel, muitos peixes morriam por
 causa das águas fétidas que entupiam alguns aquários, muitos peixes pequenos se submetiam 
aos grandes por causa do medo espiritual, e o pior, muitos peixes pereciam fora dos aquários por 
não encontrar outros peixes que lhes anunciassem a Água Viva (cf. Jo. 4:14).

Na perspectiva bíblico-cristã não se admite pastores que sejam donos de peixes, como também 
não se tolera aquários que faccione o Corpo de Cristo. Portanto, tal expressão, “pescar em 
aquário”, é descomedida aos valores cristãos e desnuda uma igreja desqualificada 
frente à funcionalidade do Corpo. Contudo, é evidente que sempre há tubarões que insistem
 em apaixonarem-se por aquários e gastam seus ministérios em prol de fazer espetaculares 
criadouros de peixes. Para estes o fim se estreita na assustadora sentença: “Nem todo aquele 
que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade 
de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos
 nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’
 Então eu lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam 
o mal!’ ” – Mt. 7:21-23 (NVI). 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 10 de Novembro de 2010

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